sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Kaká Werá - parte 1 - A verdadeira origem




O MUNDO MATERIAL
É UMA SOMBRA
DA VERDADEIRA REALIDADE

“Em todos os lugares, nas diversas tradições, dentro dos seus costumes, um dos fundamentos de garantia de qualidade vida é de alguma maneira relembrar, todos os dias, a verdadeira realidade, a verdadeira Origem.”


KAKÁ WERÁ JECUPÉ

Kaká Werá Jecupé é índio de origem tapuia, autor dos livros: Tupã Tenondé, A terra dos mil povos - História indígena do Brasil contada por um índio e As fabulosas fábulas de Iauaretê (pela Editora Peirópolis) e Ore Awé – Todas as vezes que dissemos adeus (pela Editora Triom). Ambientalista, conferencista é fundador do Instituto Arapoty, organização voltada para a difusão dos valores sagrados e éticos da cultura indígena.
Tem como missão ajudar na construção e no desenvolvimento de uma cultura de paz pela promoção do respeito à diversidade cultural e ecológica. Já viajou e palestrou em diversos países, entre eles: Inglaterra, Estados Unidos, Israel, Índia, Escócia, México e França, sempre procurando levar mensagens da sabedoria dos povos ancestrais do Brasil.
Neste bate-papo, Kaká fala sobre ecologia interior, como se iniciou no caminho do curador, e enfatiza a importância da re-conexão com a natureza e a verdadeira origem. Que suas palavras sejam formosas em seu coração amigo-leitor e que incentive a leitura do livro sagrado da natureza.

SAMUEL SOUZA DE PAULA

Espiritualidade Natural - Em nosso convívio cotidiano, dos chamados “tempos modernos”, observamos que boa parte da humanidade sobrevive numa intensa busca desenfreada pelo “ter”, “possuir”, “adquirir”. Talvez, seja esta uma das causas que tenha colaborado com a ocorrência da perda de conexão com o Sagrado, do viver o tempo interno e com os valores ligados à natureza. Neste sentido o que o levou a se dedicar à cura e qual a importância que atribui as cerimônias no círculo de cura indígena?
Kaká Werá – Bom, na verdade, o ser humano como um todo se habituou e de certa forma é natural que seja desta maneira: considerar o mundo material como a única realidade plausível. E isto faz com que ele adormeça, ou esqueça, essa noção. E dentro desta noção existe um princípio muito profundo. De que na verdade o mundo material é só um reflexo do mundo verdadeiro e o mundo verdadeiro não é visível aos olhos. O ser humano esqueceu disto. Em todos os lugares, nas diversas tradições, dentro dos seus costumes, na diversidade cultural, um dos fundamentos de garantia da qualidade de vida é de alguma maneira relembrar todos os dias a verdadeira realidade, a verdadeira origem. E a origem é interior, não é palpável. A realidade material é feita de um princpio que é a matéria. Embora as culturas indígenas não façam diferença entre o Sagrado e o não-sagrado – não que o mundo material não seja tão sagrado quanto o espiritual, o fato de haver na sequência do desenvolvimento da sociedade humana uma série de desequilíbrios por conta de toda uma vida voltada para a matéria, para o mundo exterior e para o ter, é uma das razões que gerou desequilíbrios mais íntimos, mais profundos.

Uma perda de conexão com o mundo interior e o mundo verdadeiro...
Sim, nesse sentido, além do mundo interior ser um ponto de conexão com uma verdade maior, ele também acaba sendo um caminho de cura. Porque quando você resgata a origem, quando resgata o lugar de onde flui a vida, quando resgata a fonte que é interna e imaterial, consequentemente você resgata o princípio de equilíbrio, de harmonia. Na verdade, nem o meu trabalho pessoal, nem o trabalho de qualquer cidadão indígena tem como base a cura no sentido como uma doença, mas tem como base a eterna necessidade de re-consagrar na Fonte, enquanto você vive no mundo material. Para você ter uma idéia, o povo guarani, por exemplo, considera a realidade somente à sombra do mundo verdadeiro. A vida material somente o desdobramento de um sonho.

Como você se iniciou no caminho do curador?
Pelo fato de eu ter nascido, sido criado e ter vivido fora de uma aldeia, absorvi na primeira etapa da minha vida todos os condicionamentos, e de certa forma, os costumes, os hábitos de um mundo, vamos chamar assim de um mundo doente, um mundo distante do sagrado, isto fez de mim uma pessoa também, de certa forma, adoecida. Quando comecei a trabalhar com a comunidade indígena, conviver, interagir e reconectar com parentes próximos que estavam distantes. Mesmo sendo em momentos de lutas e batalhas por diversas questões, coisas de manutenção de território. Eu reparei que a comunidade vivia de maneira muito mais saudável espiritualmente do que os não-índios. E como a sociedade não-indígena normalmente vê os povos indígenas deficientes social, politica e tecnologicamente, não se dão conta de que estes povos são profundamente saudáveis. A minha história de cura começa na minha auto-cura pela convivência com diversas culturas, diversas pessoas que nem dá para precisar este ou aquele. E eu fui me tornando uma pessoa melhor pela assimilação de determinadas verdades bem simples, mas profundas. Uma delas, aquela que me disse que: “o mundo material é somente uma sombra da verdadeira realidade”.

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