sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Kaká Werá - parte 3 - silêncio

Qual a importância da palavra e do silêncio para os tupi-guaranis?
O ser humano é uma palavra habitada. Na visão da tradição tupi-guarani, através de Tupã Tenondé, nós seres humanos somos um som. Somos uma vibração, um canto do próprio Criador. E este som que nós somos, com seu corpo físico – graças à própria Terra. A natureza vestiu o ser humano de um corpo, que é o seu corpo físico, e no entanto, este corpo físico, que muitas vezes é confundido com a pessoa, é só a casa do ser. O ser que somos nós se manifesta pela palavra, pelo som, pela expressão. A importância maior da palavra está no fato de que ela tem um poder, que o mesmo Criador tem, que é o poder de criar. Na filosofia tupi-guarani, cada vogal, cada palavra, quando sai da nossa boca, sai junto com o poder criador porque é uma herança que trouxemos diretamente do céu. A ferramenta criadora da qual somos portadores. Só que esta ferramenta criadora precisa se aprimorar, precisa ser lapidada e uma das ferramentas que ajuda na lapidação é o silêncio. Pela porta do silêncio, você encontra alguns caminhos: a auto-observação, a reflexão, a meditação.

Existe uma frase atribuída a Gandhi, na verdade um conselho, e talvez excelente para meditar, refletir os valores da cultura de paz, que é: “Seja a mudança que você quer ver no mundo!”. Quais seriam, então, as principais atitudes para o desenvolvimento de uma cultura de paz?
Na verdade, é muito bonito falar em cultura de paz e politicamente correta, quando eu reconheço que é uma das coisas mais difíceis de pôr em prática em diversos níveis. Eu mesmo tenho uma dificuldade pessoal de colocar em manifestação esta postura de paz. Eu vejo que para realmente acontecer a cultura de paz ela tem que acontecer pelo menos em três níveis: social, ecológico e pessoal.

O que tenho observado, inclusive, é que este desafio é crescente nos diversos níveis.
Sim. No nível social de certa forma é fácil, porque quando você presta um serviço, um trabalho comunitário, ou alguma atividade social você está impulsionando aquela ação e com certeza isto vai gerar uma cultura de paz. No nível ecológico o esforço é um pouco maior, porque a gente tem uma dimensão da ecologia muito utilitária. Então, a primeira coisa que requer na minha visão de esforço, no nível ecológico é tirar esta visão da natureza como uma coisa utilitária, ou seja, parar de ver a natureza apenas como recursos – e é muito difícil a sociedade ver isto. Passar a ver a natureza como se fosse você, como um espelho mesmo. Aí você faz o terceiro ponto, que é mais difícil ainda, que é a questão pessoal. Formar uma cultura de paz requer ações internas. Muitas vezes as pessoas, e também algumas organizações, falam de cultivar a tolerância, mas eu acho que a tolerância não é suficiente. O que Gandhi diz é de muita profundidade, muita sabedoria, devemos ser a paz que queremos ver no mundo. Começa por aí mesmo e no nível pessoal a gente precisa quebrar algumas visões distorcidas de paz.

Poderia exemplificar uma destas visões distorcidas.
A primeira visão distorcida de paz que precisamos quebrar é que paz é passividade. Não é! Paz requer respirar, entrar em silêncio, auto-observar. Requer determinadas ações internas, nós temos que ter muita vontade, para poder trabalhar isto.

Como cada palavra possui vida, tem um espírito, se estamos conscientes e presentes nela. Passo o bastão da fala para que deixe uma mensagem aos corações-alma de nossos leitores da “Espiritualidade Natural”.
No dia 06 de junho no Instituto Arapoty, nós vamos trabalhar um tema chamado justamente Ecologia Interior, todos estão convidados para participar. Para maiores informações acesse o blog: http://institutoarapoty.blogspot.com ou http://kakawera.blogspot.com.
A mensagem que eu proponho está dentro desta idéia de ecologia interior. Aqueles que estão no caminho da espiritualidade, na busca de um entendimento maior das coisas do espírito, em algum momento na vida, em algum momento desta jornada, vai se colocar diante da própria terra, da própria natureza. Se você observar os Mestres de todas as tradições não-indígenas: São Francisco de Assis, os antigos rishis tiveram profundas conexões quando subiram a montanha e se refugiaram na floresta. A imagem que temos de Buda, quando ele atingiu a iluminação, é dele sentado debaixo de uma árvore na floresta. Então a mensagem que eu deixaria é para você observar a natureza como um livro sagrado para encontrar as respostas mais profundas do nosso ser, da nossa alma, para quem está no caminho da espiritualidade, para quem está na busca. Porque quem não está no caminho da espiritualidade ou para quem está iniciando o caminho a natureza serve como cura. Mas para quem está no caminho, já passou da fase da cura, a natureza acaba sendo uma conexão, como um livro, como aprendizado: prestar atenção nesta Grande Mãe.

Um comentário: